26 de jun. de 2015

Dia 22: O Sal da Terra (31 de março - novamente)

Outra reprise neste desafio. Outro filme que eu precisava ver de novo. 

Hoje acabou sendo um dia muito especial. eu tive uma companhia rara no cinema. Minha mãe de coração, que está perdendo a visão e se move com dificuldade sozinha, aceitou meu convite para vermos O Sal da Terra (The Salt of the Earth), documentário sobre o trabalho de Sebastião Salgado dirigido pelo seu filho Juliano Salgado e o cineasta alemão Wim Wenders, e presente aqui no dia 19.

O caminho até a sala de cinema ocorreu de forma lenta e cuidadosa. Mas a jornada com as imagens de Salgado, Juliano e Wenders, no conforto do cinema, foi novamente arrasadora. Não tenho certeza, eu realmente estava maravilhada da primeira vez; no entanto, eu acho que, por já saber o iria ver, o racional deu uma trégua por boa parte do filmes e minhas emoções e sentimentos tomaram conta de supetão. Foi como se todos meus sentidos estivessem mais despertos, e cada imagem, som, música, silêncio, assumiram outros significados. Não por nada eu realmente apreciei essa oportunidade de ver o filme novamente. 

A trilha sonora caminha lado a lado com as imagens, numa edição inteligente e sensível, incomum para documentários. Eu esperei até o final dos créditos, pela última nota da música original antes de deixar o cinema em novo estado de encantamento. 

Um pensamento: em um determinado momento, o pai de Sebastião Salgado conta ao seu neto, numa entrevista gravada, que ele havia lucrado bastante com a madeira em sua fazenda. Uma terra que se tornou árida e improdutiva por seguidas estações de seca - mas que sofreu bastante, provavelmente, pelo contínuo desmatamento também. Pensei como Sebastião, o filho, pegou as diferentes heranças que recebeu - do seu pai, da humanidade, do comércio injusto do sistema econômico de que fez parte quando mais novo - e virou a correnteza no sentido de fazer tudo diferente. Não pretendo, com essa afirmação, transformá-lo num herói, mas é realmente admirável que ele tenha escolhido esses diversos caminhos em sua vida, apesar do alto custo de muitos deles. 

Durante o filme, lembrei-me do prefácio escrito por  Geoff Dyer, um dos meus cinco escritores favoritos na vida, ao seu livro Todo Aquele Jazz. Seu objetivo no foi contar parte da história do Jazz norte-americano por meio das fotografias da época. Algumas das imagens de Sebastião Salgado possuem tanto movimento, fluidez, e são compostas por tantas e tantas camadas, que lembrei das palavras de Dyer e as imagens que elas evocam: 

 UMA NOTA SOBRE FOTOGRAFIAS

   Fotografias podem mexer com você de forma entranha e simples: a um primeiro olhar, você vê coisas que depois descobrem não estarem ali. Ou, quando você olha novamente, Na foto que Milt Hinton tirou de Ben Webster, Red Allen, e Pee Wee Russell, por exemplo, eu imaginei que o pé de Allen estivesse apoiado na cadeira à sua frente, que Russel estava na verdade tragando seu cigarro, que... 

   Umas das forças da fotografia de Hilton (ou de qualquer fotografia)  é que ela não é como você se lembra (ou a força de qualquer fotografia. Apesar de retratar apenas a fração de um segundo, uma imagem parece ter a duração dos momentos imediatamente anteriores e após aquele que foi congelado para incluir - ou assim parece - o que havia acabado de ou estava para acontecer: Ben empurrando seu chapéu para trás e assoando o nariz, Red se inclinando para pegar um cigarro com Pee Wee . . .

   Pinturas a óleo silenciam de forma estranha até a Batalha da Bretanha ou Trafalgar. Fotografias, por outro lado, podem ser tão sensíveis ao som quanto o são à luz. Boas fotografias estão ali para serem ouvidas tanto quanto vistas; quanto melhor ela for, mais há o que nelas escutar. As melhores fotos de jazz são aquelas saturadas no som do sujeito retratado. Na foto que Carol Reiff tirou de Chet Baker no palco em Birdland, nós ouvimos não somente o som dos músicos no espaço apertado do pequeno palco, mas também o som das conversas e copos ao fundo. De maneira similar, na foto de Hinton, ouvimos o som de Ben virando as páginas do jornal, o som do tecido das calças de Pee Wee quando ele cruza as pernas. Se tivéssemos os meios necessários para decifrá-las, por que não ir ainda mais longe e usar fotografias como esta para ouvir o que estava sendo dito? Ou ainda, já que as melhores fotos parecem se estender para além do momento retratado, poderíamos ouvir também o que acabou de ser e o que estava para ser dito. 
DYER, Geoff. Todo Aquele Jazz. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 







O Sal da Terra (The Salt of the Earth). Dirigido por Juliano Ribeiro 
Salgado e Wim Wenders. Com: Sebastião Salgado, Juliano Ribeiro 
Salgado, Lélia Winick Salgado, Wim Wenders. Roteiro: Juliano 
Ribeiro Salgado ,  Wim Wenders , David Rosier e Camille Delafon.
França/Brasil/Itália, 2014, 110 min., Dolby Digital, Color/

P&B, (Cinema).




PS: O fragmento de hoje é um filme que, para mim, retrata de forma bastante fiel o mundo hoje. Se é possível que a existência de um retrato assim. De manhã, assisti à última parte de Sentidos do Amor, péssima escolha de título para o original Perfect Sense, 2011. Com a sempre incrível Eva Green e o querido Ewan McGregor (que, aliás, fez aniversário no dia 31 de março), o filme me conta a respeito da humanidade e do mundo de uma forma que encontra as minhas próprias opiniões sobre ambos. É um filme que indico enfaticamente, apesar de o título em português conferir uma ideia errada e puramente romântica à história. 

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