28 de jun. de 2015

Dia 31: O Primeiro Amor (9 de abril)

E Um Filme por Dia faz aniversário! Um mês com alguns filmes inesquecíveis e brilhantes... 

Para o dia 31, eu segui a indicação de uma amiga que é também uma maga dos filmes (como a Malu): Samara viu tudo o que existe no mundo, não importa se é na TV, no cinema, se é filme ou série. Um dia eu contei de um filme que ela ainda não conhecia, e fiquei realmente orgulhosa de mim... Sem exageros, prometo.

Então, O Primeiro Amor (Flipped) foi o escolhido para este dia. Eu assistia a um filme de Rob Reiner há tempos, e também não é exagerado afirmar que seus filmes são um gênero por si só. A Princesa Prometida (The Princess Bride, 1987) é um dos meus fimes para a vida, e Harry e Sally: Feitos um para o Outro (When Harry Met Sally, 1989 - uma bela parceria com Norah Ephron) é um filme de que gosto muito. Mas suas mais recentes produções foram muito açucaradas para mim. O Primeiro Amor parecia ir na por  um caminho previsível, e em determinados aspectos ele realmente segue pelo esperado. 

Contudo, não podemos esquecer que Reiner é responsável por um dos mais aclamados e queridos filmes sobre infância que existem, Conta Comigo (Stand by Me, 1986). Então, sendo ele quem é, não foi realmente uma surpresa quando um filme fofo como O Primeiro Amor apresentou alguns elementos inesperados, bons personagens (Juli com 7 anos é só amor desde a primeira cena) e uma história que vai além da superfície de um divertido filme familiar.

Durante todo o filme, eu estava esperando pelo que viria a seguir. Esse é sem dúvida um atributo das boas histórias. 

A respeito, Neil Gaiman escreveu que o fator de diferença em uma história pode ser resumido por quatro palavras. E porque ele consegue reunir de forma muito especial o que eu sinto sobre as narrativas ficcionais, e ainda porque este post está mais curto que o normal, mas sobretudo por conta da celebração do aniversário de um mês deste desafio, eu trago as palavras de Gaiman aqui. 

Espero que gostem :)


GAIMAN, Neil; SARRANTONIO, Al (Edited by). Stories – All new tales. HarperColins ebooks, 2009.


Para todos os contadores de história e os fiadores de contos que entretiveram o público e os mantiveram vivos, para Alexandre Dumas e Charles Dickens, para Mark Twain e Baroness Orczy e todo o resto, e, sobretudo, para Scheherazade, que era ao mesmo tempo a contadora de história e a história contada. 


INTRODUÇÃO
APENAS QUATRO PALAVRAS
AL SARRANTONIO E EU DISCUTÍAMOS antologias de contos. Ele havia editado uma antologia imensa de contos de terror de ponta e outra de  fantasia inovadora; os dois livros, cada um de um modo, definitivos. Ao conversar, percebemos que tínhamos algo em comum: o que nos importava, realmente, eram as histórias. Do que sentíamos falta, o que gostaríamos de ler eram histórias que faziam com que nos importássemos, histórias que nos forçavam a virar a página. E, sim, nós desejávamos uma boa escrita (por que se satisfazer com menos?). Mas queríamos mais que isso. Queríamos ler histórias que utilizavam um relâmpago de magia como uma forma de nos mostrar algo, que já havíamos visto milhares de vezes, como se nunca tivéssemos visto antes. De verdade, nós queríamos tudo isso. 
E, lentamente, o desejo se tornou uma ação…
Quando criança, eu enfernizava os mais velhos por histórias. Minha família costumava improvisar ou ler, para mim, histórias dos livros. Assim que eu me tornei velho o suficiente para ler, eu fui uma dessas crianças que precisam ter um livro ao alcance. Eu podia ler um livro por dia, ou mais. Eu queria histórias, e eu as queria sempre, e eu queria a experiência que apenas a ficção podia me dar: eu queria estar dentro das histórias.

Televisão e cinema eram bons, mas aquelas histórias aconteciam a outras pessoas. As histórias que eu encontrava nos livros aconteciam na minha cabeça. Eu estava lá, de alguma forma. 
É a mágica da ficção: você pega palavras e as transforma em mundos.
À medida que passava o tempo, eu me tornei um leitor mais seletivo (lembro da primeira vez em que percebi que não precisava terminar um livro; a primeira vez em que percebi que o modo como uma história era contada estava interferindo na história). Mas mesmo quando eu me tornei mais criterioso como um leitor, comecei a sentir que o que me fazia continuar lendo, o lugar em que a mágica ocorria, a força impulsionadora da narrativa podia ser negligenciada. Eu podia ler uma prosa lindamente escrita e não me importar com ela.
Isso se resumiu então a quarto palavras.

Existe um tipo de leitores que lêem somente não ficção: que leem biografias, talvez, ou livros de viagem. Leitores que leem nada mais que poesia concreta. Há aqueles que leem coisas que os tornarão, e àqueles ao seu redor, melhores, que apenas leem livros que lhes dirão como sobreviver à iminente crise financeira ou como ter confiança em si mesmos ou como jogar pôquer ou construir colmeias. Eu mesmo posso às vezes ser visto lendo livros sobre criação de abelhas e, porque eu escrevo ficção, sempre fico feliz em ler  sobre fatos estranhos. O que quer que leiamos, nós somos parte da comunidade da história.  
E há os não leitores, claro. Eu conheci um homem  nos seus noventa anos que, ao saber que eu era escritor, admitiu que havia tentado ler um livro uma vez, muito tempo antes de eu nascer, mas que havia sido incapaz de ver um sentido nisso e nunca mais havia tentado. Perguntei se ele lembrava o nome do livro, e ele me disse, da mesma forma que alguém que havia tentado comer uma lesma e não havia gostado e, assim, não precisaria lembrar a espécie da lesma que havia comido, que uma é como todas as outras, com certeza.
E ainda assim. Quatro palavras.
Mas eu não as havia percebido, até que, há uns dias, alguém escreveu no meu blog:
Caro Neil, se você pudesse escolher uma citação – qualquer uma – sua ou de outro autor, para colocar na parede de uma biblioteca pública, qual seria? Obrigada! Lynn.
Eu ponderei um pouco. Eu disse muito sobre livros e leitura infantil ao longo dos anos, e outras pessoas haviam dito coisas mais assertivas e sábias que eu jamais poderia. E, então, entendi. E foi isto que escrevi: 
Não estou certo de que eu colocaria uma citação na parede, se fosse eu e eu tivesse uma parece de biblioteca para desfigurar. Penso que eu apenas lembraria as pessoas do poder das histórias, de por que elas existem em primeiro lugar. Eu colocaria ali as quatro palavras que todos que contam uma história querem ouvir. Aquelas que mostram que a história funciona, e que as páginas serão viradas:
“… e o que aconteceu?”
As quatro palavras que toda criança pergunta, quando você faz uma pausa ao contar uma história. As quatro palavras que você ouve no fim de um capítulo. As quatro palavras, ditas ou não, que mostram a você, como u m contador de histórias, que as pessoas se importam. A alegria com a ficção, para muitos de nós, é a alegria com a imaginação liberta do mundo e capaz de imaginar.
Ao conversar com Al Sarrantonio, percebi que eu não estava só em me encontrar crescentemente frustrado com os limites do gênero: a ideia de que categorias que existem apenas para guiar as pessoas nas livrarias agora parecia ditar o tipo de histórias que são escritas.  Eu amo a palavra fantasia, por exemplo, mas eu a amo pelo espaço quase infinito que ela dá ao autor para brincar: uma espécie de  quarto de brincadeiras infinito no qual os únicos limites são os da imaginação. Eu não amo a palavra pela ideia de fantasia comercial. Fantasia comercial, para o bem ou para o mal, tende a se arrastar por sulcos já existentes e cavados por J. R. R. Tolkien ou Robert E. Howard, deixando um mundo de histórias atrás de si, excluindo muita coisa. Havia tanta ficção de qualidade, ficção que permitia uma rédea solta à imaginação do autor, além das estantes do gênero. Isso era o que queríamos ler. 
Parecía que o fantástico pode ser e pode fazer muito mais do que assumem seus detratores: ele pode iluminar o real, pode distorcê-lo, pode mascara-lo, pode escondê-lo. Pode lhe mostrar o mundo que você conhece de uma forma que o faz perceber que você nunca olhou para ele, nunca olhou. G. K. Chesterton comparou a ficção fantástica a como sair de férias – a importância de estar em férias é o momento em que você retorna e vê o lugar em que vive com novo olhar.
Então  Sarrantonio e eu chamamos pelas historias, e elas começaram a voltar para nós. Escritores aceitaram o desafio. Nós aprendemos a esperar apenas o inesperado. 
"... e o que aconteceu?"
A verdadeira magia dessa pequena invocação é que ela inspirou milhões de palavras, transformou pessoas que nunca se imaginaram como narradores em narradores de contos capazes de competir com Scheherazade ou Joseph Jorkens de Dunsany por seu dinheiro - ou seu whisky, ou até mesmo suas vidas. Nós viramos a página, e a aventura começa. 
Há algo esperando por você. Vire a página, então.


Neil Gaiman - Dezembro de 2009.

O Primeiro Amor (Flipped)Dirigido por Rob Reiner. Com: Madeline 
Carroll, Callan McAuliffe, Rebecca de Morney. Roteiro: Rob Reiner 
e Andrew Schneinman a partir do livro de Wendelin van Draanen. 
EUA,  2010, 90 min., Dolby Digital, Color (DVD - já disponível no Netflix).

PS: Fragmento: Vivendo na Eternidade (Tuck Everlasting, 2002), um filme da Disney direcionada à família, com um bom elenco e um argumento... mas, mesmo se eu normalmente tento não ser muito crítica, preciso dizer que este foi realmente bastante monótono e bobo.  

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