14 de jul. de 2015

Day 100: Uma Boa Mentira (17 de junho) - participação especial de Sense8

Depois de chegar ao fim da primeira temporada de Sense8, eu achei que não conseguiria suportar um filme frio como o de ontem, por exemplo. Procurando no Netflix,  eu encontrei um que parecia combinar com meu humor nesse dia.

Não entendo como não ouvi falar de Uma Boa Mentira (The Good Lie) antes. Trata-se de um filme de 2014 sobre  "Os Garotos Perdidos" do Sudão, como são conhecidos os refugiados sudaneses que migraram para os Estados Unidos no início dos anos 2000. O programa foi suspenso após o 11 de setembro, para retornar em 2004.  Por meio de uma loteria, refugiados eram selecionados para viverem em uma cidade dos EUA. O filme conta a respeito do programa pelos olhos de cinco desse sudaneses. 

Em alguns momentos meu coração parecia parar. Aquele velho sentimento de impotência retornou cm força total. As cenas relativas à guerra civil no Sudão são devastadoras. Tudo que esse grupo de irmãos e amigos vivenciam, sua infância perdida para a guerra, a perda dos seus parentes e irmãos, a longa peregrinação por um país em que é impossível permanecer, a chegada a uma nova mas estranha possibilidade... é dolorido e triste para dizer o mínimo. Mas seguimos nessa forte história pelas mãos acolhedoras daqueles que passaram pelo impossível. 

Um programa institucional como o Lost Boys of Sudan é de grande importância, mas ainda é uma forma institucional de cuidar de pessoas. Esse aspecto é ressaltado quando os cinco refugiados chegam aos Estados Unidos. As pessoas designadas para os ajudarem na sua transição não entendem o quanto esse novo ambiente é alienígena para eles. Eu gosto desse elemento da história, que mostra como essa mudança não é só um evento feliz ou um lance de sorte. Mesmo que se trate de um ótimo programa, os refugiados precisam deixar para trás a única forma de viver que conhecem. Não é simples e fácil. Burocracia também tem um papel de destaque na questão. E não é porque una nova oportunidade se apresenta, que todas as perdas e dor e violência automaticamente desparecem. O que faz a diferença ao final são as pessoas, incríveis indivíduos que agem de forma a superar algumas das discrepâncias criadas pela burocracia.  

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com/2015/06/day-100-good-lie-june-17.html

E aqui eles mostram as suas "malas".

The Good Lie. Directed by Phillipe Falardeau. With: Alnold Oceng (son
of a refuge), Ger Duany, Emmanuel Jal, Kuoty Wiel (the last three were
refugees - Jal was a child soldier). Written by: Margareth Nagle. Kenya/India/
US, 2014, 110 min.,  SDDS/Datasat/Dolby Digital, Color (Netflix). 


Normalmente, eu falaria de Sense8 em um post scriptum, mas após alguns dias com a história criada pelos revolucionários Wachowski, não havia como falar a discutir a respeito em letras pequenas. 

Já no primeiro episódio da séries, encontram-se delineados tudo o que faz dessa uma produção excelente e de relevância. O desprezível machismo surge nas diferentes formas em que manifestado no mundo - frases como "Uma mulher não serve para fechar nada, apenas para abrir..." ou "Ela é boa DJ para uma mulher" dizem muto sobre alguns dos preconceitos discutidos nessa série. É também nesse episódio que um aspecto essencial é apresentado na opinião de Noomi, uma das oito protagonistas na história. Em determinado momento, uma garota a questiona sobre sua opinião a respeito de como a terminologia LGBT pode ressaltar a diferença. A garota fica brava com ela, dizendo que a comunidade gay lutou muito por seus direitos e reconhecimento. 

A opinião de Noomi encontra a minha própria nesse sentido. Por um tempo já eu tenho pensado como algumas das nomenclaturas adotadas na luta pelos diretos humanos podem de fato ressaltar as diferenças, contrariamente ao seu propósito essencial. De forma alguma estou diminuindo os esforços de quem trabalha ativamente por um mundo melhor, mais justo. Mas creio que, sem mesmo nos darmos contas, essas políticas ressaltam a diferença, e não a igualdade. E é exatamente nesse ponto que  Sense8 assume um papel importante e pioneiro na busca de um mundo mais igualitário. 

Lana e Andy Wachowski
Li no imdb.com o quanto Andy Wachowski ferozmente protege sua irmão, Lana, que passou por uma mudança de sexo há aproximadamente sete anos. Essa intensidade é uma parte importante e uma das maiores forças dessa história sobre oito indivíduos de diferentes partes do mundo que têm entre si uma forte e profunda conexão.  Trata-se de um conto de ficção científica, e o porquê desa ligação é explicada de forma fantástica, como em vários argumentos do gênero. No entanto, já afirmei aqui como fantasia e ficção científica podem se se referir à vida de uma maneira que os fatos apenas não conseguem. Essa perspectiva é especialmente real em Sense8.

Empatia é algo raro no mundo hoje. Se é que já foi corrente na história do mundo em algum momento, na verdade. Essa é uma das razões por que parece ser tão difícil entender diferentes culturas, visões do mundo, orientações sexuais, formas de vida diversas da nossa própria. É absolutamente triste que as coisas sejam assim desde sempre. Humanidade é uma, os seres humanos são uma mesma espécie, e não deveríamos precisar viver do mesmo jeito para sermos capazes de compreender isso. Do meu pequeno e literal quadrado no meio do Brasil eu posso ver as cosias dessa forma (graças aos meus vários amigos incríveis e aos filmes, claro - não podemos esquecer os filmes).  Minhas próprias escolhas não excluem o entendimento de diferentes formas de viver. Eu realmente não entendo porque essa percepção teria de ser tão complicada. 

A busca por igualidade no que se refere a gênero, por exemplo, está no mundo. Mas muitos ainda mantêm a opinião de como o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo é errado, uma anormalidade e até mesmo um crime. Mesmo que muitos não ousem expressar essa opinião fora dos ambientes privados, o preconceito ainda prevalece. Sob outra perspectiva, há muitas produções para a TV e o cinema que trazem o foco em relações homossexuais, e elas são uma importante forma chamar a atenção para a necessidade de igualdade. Mas, exceto por alguns poucos, eles acabam por reafirmar a diferença. Eu não costumo acompanhar essas séries por muito tempo. Novamente, não digo que elas não sejam importantes formas de reflexão, mas há algo ali que não me mantém à distância.

Durante os primeiros episódios de Sense8, eu pude identificar a razão pelo meu não envolvimento, apontado acima: para mim, todas as histórias até agora (repetindo, com algumas exceções) não me diziam muito. O foco principal era a existência de opções diferentes. Sense8, por outro lado, enfatiza o quanto iguais somos. Não há espaços para o preconceito - a empatia entre os personagens argumenta fortemente contra qualquer tipo de julgamento nocivo. Trata-se de uma empatia ainda rara no mundo, com exceção de alguns indivíduos, e é por essa razão que a série, para mim, se mostra tão importante nas discussões atuais sobre liberdade de escolha, igualdade, gênero, justiça social, comércio justo. Está tudo ali, em inúmeros preciosos detalhes, por meio de uma produção impecável. 

Contando com oito (incríveis) protagonistas, não vemos o tempo passar. O final de cada episódio chega cedo demais. E todos os relacionamentos, conecções, referências são claramente apresentadas de forma cuidadosa. Essa série tem uma voz clara e forte, que me encantou bastante. Algumas referências e relações são muito boas, parte de um quebra-cabeças maior. Há importantes diálogos, ação da melhor qualidade (não poderíamos esperar menos dos Wachowski), um vilão bizarro e assustador (Chamado Whispers...), cenas divertidas, personagens cativantes, interações muito queridas, sexo explícito e belamente encenado. Mas, acima de tudo, há ali oito pessoas que param diante de nada para apoiarem e ajudarem umas as outras, cada qual um indivíduo que faz parte de um todo. Assim como a humanidade deveria perceber que é em essência. E vai, eu acho, com a ajuda de artistas geniais e ousados, sempre. 

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com/2015/06/day-100-good-lie-june-17.html

Eu realmente gosto desses oito :)
Certo, eles são lindos, atraentes ... Não estou reclamando,mas é inevitável questionar
quanto tempo ainda vai levar para essa outra conquista necessária chegar à televisão.

Sense8. Criada por J. Michael Straczynki, Andy Wachowski, Lana Wachowski.
Com: MIguel Angel Silvestre, Doona Bae, Amil Ameen, Jamie Clayton, Tuppense
Middleton, Max Rielmelt, Brian J. Smith, Tina Desal. EUA, 2015 (Netflix).



PS: Apesar de inglês ser o idioma predominante nessa série de TV norte-americana, cada diferente cultura apresentada nele tem sua voz própria, seja pela nacionalidade dos atores, pelo cenário (as filmagens ocorrem em 9 diferente cidades ao redor do mundo), ou ainda por outros detalhes na produção. Um desses detalhes é a trilha sonora. Em relação à Islândia (um lugar dos sonhos para mim), há a bela participação especial de Sigur Rós, banda islandesa  procedente de Reykjavik. Sua música melancólica e de cortar o coração se adequa perfeitamente a essa história, e eu me emocionei em vê-la na últlima cena dessa primeira temporada (outra de suas músicas está no primeiro episódio, relacionada à personagem islandesa antes mesmo de sabermos sua origem, mas eu não a identifiquei - Rodrigo, que me apresentou Sigur Rós, chamou minha atenção para essa participação. Assim, eu acabei considerando as duas músicas como um elo entre o início e o fim dessa história).




PPS: Alguns pensamentos desconexos me ocorreram durante Sense8, a partir dos bem construídos personagens e de vários detalhes na história, para além do que já dito aqui. São tantos que é impossível lembrar de todos. Alguns são: Arte como fundamental em suas diversas formas (Hernando é um personagem que explicita essa ideia). Endorfinas podem nos colocar em muita confusão :) Nós nos identificamos com diferentes pessoas em casa momento específico de novas vidas. Livros, filmes, música são uma maneira de estar no mundo, de nos relacionarmos com outros, mas também podem ser uma escolha solitária. Alteridade é um modo de entendermos a nós mesmos - e a arte é um caminho para a alteridade.

Outro pensamento foi como seria bom ver alguém com uma vida totalmente diferente desses personagens escrever essa história. Seria empatia no seu melhor. Mas logo a seguir pensei no que disse Walter Benjamin sobre a narrativa: como um verdadeiro narrador conta a partir da experiência. Ele não informa, ele transmite experiência pelas diferentes gerações com as suas histórias. Isto é o que compõe a arte de narrar para o pensador alemão: narrar a experiência por meio de histórias. Escrevemos sobre o que sabemos, e sabemos a partir da vivência e da experiência. 

PPPS:  Séries de TV têm se mostrado um excelente meio para contar boas histórias. O atual formato de 10 a 12 episódios, em vez dos tradicionais 22, apresenta narrativas sem muita enrolação ou necessidade de preencher o tempo. Produtores, roteiristas e atores do cinema encontraram na TV um lugar próprio para expressarem diferentes e relevantes percepções do mundo em produções impecáveis. Algumas dessas séries têm aberturas maravilhosas, tanto que, mesmo numa maratona, eu não consigo passar por elas, pois são parte da narrativa. 

















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