2 de ago. de 2015

Dia 111: Orgulho e Preconceito (28 de junho)

Outro dia em que me vi sem vontade de ver filmes... Assim, sem querer arriscar algo novo, eu me coloquei em frente à TV esperando por um milagre... apenas para encontrar uma das história que mais amo na vida. Eu devo ter uns três ou quatro DVD's desse filme, mas não consegui sair do sofá quando eu vi que ele estava iniciando na TV. Então eu decidi por uma reprise neste dia, porque poucos filmes são tão perfeitos para mim quanto Orgulho e Preconceito (Pride & Prejudice), a versão de 2005 para o livro de Jane Austen.

Trata-se da estreia no cinema do diretor Joe Wright - ele começou muito bem por sinal. Há tantos detalhes incríveis, uma imensa atenção para pequenos aspectos dessa história que está no mundo há mais de 200 anos, e que habita o imaginário de seus leitores por tantas gerações. A primeira cena, com Elizabeth Bennet lendo o final de sua própria história, com um sorriso de reconhecimento em sua face, fechando carinhosamente o livro que tem nas mãos, nunca deixa de me encantar.  Dessa maneira, um filme com quase duas horas assume a duração de cinco minutes apenas, para mim. Ele chega ao final cedo demais, deixando-me como única opção assisti-lo repetidas e repetidas vezes. 

Adaptações de livros para o cinema, especialmente de clássicos, são complicadas. Dois meios diferentes de contar uma história não permitem a chamada fidelidade de fatos. A forma de narrar influencia a história em si, sem dúvida. O que eu penso ser importante numa adaptação é manter-se fiel à história e aos personagens por que nos apaixonamos em palavras. Mas para assim fazer, algumas mudanças são necessárias. É irônico que é justamente essa transformação que possibilita contar a mesma história de diferentes modos.  

Um bom exemplo a respeito - e um que me fez prestar mais atenção às adaptações literárias no cinema - é a cena da declaração de Darcy a Elizabeth no filme de Joe Wright: os personagens têm uma briga intensa e emocional, um confronto que, no livro, é narrado da distância usual assumida por Austen - e ainda assim a cena é bastante intensa. O leitor precisa transcender, de certa forma, as palavras para mergulhar no que está sendo de fato contado ali. Na elogiada adaptação da  BBC, em que a proposta foi contar o livro em sua literalidade, a cena acaba por perder em intensidade e paixão, apesar da produção impecável e das atuações excelentes. Joe Wright, de outro lado, optou por mudar o cenário em que ocorre a cena de forma a alcançar a explosão de emoções presente nela. O resultado foi a perfeição, a meu ver. Podemos, pelas imagens de Wright, perceber a ligação entre esse dois personagens orgulhosos e fortes, assim como o que significa para eles a percepção do que os une. Essa cena nunca fica ultrapassada para mim. 

Como ocorre com tantas outras nesse filme: a cena do espelho é genial... as longas tomadas sem cortes no baile, todas as mulheres de branco... Darcy flexionando a mão após ajudar Elizabeth a subir na carruagem... A cena nas montanhas... A câmera que percorre os ambiente privados como se deles fizesse parte... Há tantas e tantas, que listar todas seria contar o filme inteiro :)

Juntamente com tantas imagens incríveis, encontra-se a trilha sonora surreal mente linda composta por Dario Marianelli. Ela também narra a história em cada cena, e é uma das coisas mais belas que já vi no cinema. Trata-se de outro aspecto nesse filme que nunca deixa de me encantar.  

A controvérsia sobre a adaptação de romances clássicos para o cinema é ainda maior quando consideramos opiniões que sustentam que tal tarefa é impossível. Gina e Andrew McDonnald, pesquisadores do tema, defendem que: "[a natureza mesma da tradução torna improvável uma 'fidelidade' a Jane Austen, porquanto as características do cinema como espetáculo, comércio, visualidade, idealismo, realismo, velocidade e uma busca por 'relevância' estabelecem distâncias ainda maiores dos textos da autora" (Do original: "[...] the very nature of translation makes “fidelity” to Jane Austen unlikely, while such characteristics of cinema as spectatorship, commercialism, visuality, idealism, realism, velocity, and a perceived need for “relevance” open up even wider distances from her texts.” MACDONALD, Gina; MACDONALD, Andrew F. Jane Austen on screen. Cambridge University Press, 2003, p. 44). De acordo com essa concepção, uma obra literária tem seu lugar historicamente, e nada no mundo poderia mudar esse fato. 

O mais incrível a respeito da arte e da cultura, no entanto, é que ambas não estão acorrentadas às suas origens espaçotemporais. O mundo passa por mudanças, as obras de arte também, assim como o relacionamento entre o que se pode considerar como um ícone e o público. Torna-se inútil na verdade ignorar essa constante mudança. Claro, o mencionado ícone está ali, e procuramos compreender seu lugar no tempo e espaço de origem. Mas atualmente, por exemplo, Jane Austen assumiu tantas diferentes configuradões para seus leitores e admiradores que não há como ignorar todos esses aspectos relativos à presença da sua obra no mundo hoje.  E nem haveria por que, na realidade. 

A adaptação literária para o cinema é uma forma de tradução, e passa pelos mesmos questionamentos e controvérsias. Mas o fato é que o lugar ocupado por uma obra de arte muda ao longo do tempo até mesmo no seu idioma original... o que se pode dizer então em outras línguas e sociedades diferentes da de origem? O que a obra se torna não é falso ou errôneo no que concerne às suas origens... é apenas diferente, como deve ser. 

Joe Wright pode se manter verdadeiro aos ambivalentes aspectos apresentados na obra literária clássica, e eu acredito que ele foi bastante feliz ao contar essa amada história sobre a futilidade das primeiras impressões.  Elizabeth e Darcy são considerados um dos casais literários mais icônicos da história ocidental. Jane Austen não discorreu com detalhes a respeito do que estava reservado aos dois personagens ao final do livro, e o filme de Wright respeita belamente essa opção. O público, no entanto, fica ávido por mais informações, tanto que um final alternativo foi filmado para os Estados Unidos (onde a maior parte das produções costumam não deixar muito à imaginação - o que tem, felizmente, mudado nos últimos anos). Encontramos outros reflexos desse desejo por mais em vários livros que continuam a história ou narram, em ficção, sobre suas influencia nos leitores hoje. Alguns deles eu já li e achei interessantes, mas evito aqueles que apresentam uma sequência - de forma alguma eu pretendo estragar uma história tão preciosa para mim.  

Uma vez um amigo me disse que não iria arriscar assistir à versão para o cinema de Tristão e Isolda porque ele escolheu ser cauteloso com um história importante para ele. Eu fiquei um pouco desconfiada à época sobre essa opção, mas hoje a entendo perfeitamente. E concordo com ele. 

Este é, aliás, um dos aspectos mais difíceis em contar uma história dessa natureza: ela se encontra de tal maneira encravada na imaginação de seus leitores que se torna bastante especia, exigindo cuidados. Joe Wright foi bastante cuidadoso com o que é mais importante na história escrita por Austen, como somente um bom leitor consegue ser. Assim, a meu ver, Wright é o mais cuidadoso e atento dos leitores, apresentando uma história tão querida com delicadeza, precisão, cuidado, intensidade e amor pelo que está narrando, juntamente com uma das escritoras mais apreciadas no mundo. 

Um pensamento de última hora: a versão comentada presente no DVD jé uma aula de cinema e narrativa. Joe Wright enfatiza vários detalhes no filme - como, por exemplo, a empregada que está sempre cantando em cena -, mostrando seu cuidado ao contar a história de Elizabeth e Darcy. Como ele escolheu os cenários, as relações entre os atores, a atenção para inúmeros aspectos, as tomadas sem cortes... Está tudo lá, e é tão incrível quanto o filme em si.

No final, eu fiquei bastante feliz com minha escolha de como terminar um tedioso domingo friorento. 
Orgulho e Preconceito (Pride & Prejudice)Dirigido por Joe Wright. Com: 
Keira Knightley, Matthew MacFadyen (meu coração...), Brenda Blethyn (todo o
elencoé incrível na verdade). Roteiro: Debborahg Moggach  (e Emma Thompson, que 
não aparece nos créditos) a partir do livro de Jane Austen.  França/InglaterraK/
EUA, 2005, 129 min., DTS/Dolby Digital, Color (DVD)


PS: A primeira vez em que li um livro inspirado em Austen (e em Orgulho e Preconceito) foi com um exemplar que comprei num posto de gasolina na Inglaterra. Mr. Darcy and Me soava como algo interessante, e eu resolvei levá-lo comigo na viagem. E ele de fato foi querido, divertido, meio bobo, mas também uma boa reflexão sobre alguns aspectos presentes na influência da obra de Austen no imaginário atual. Escrito por Alexandra Potter, eu o recomendei ou dei de presente para vários amigos. A partir desse primeiro encontro, eu passei a procurar por livros como esse, que apresentam como leitores atuais são influenciados pelos livros e personagens de Austen. Os livros e filmes e séries que continuam a história de Elizabeth e Darcy, no entanto, eu olho com cautela. Um desses é a mini-série para TV Death Comes to Pemberley, que apresenta o casal alguns anos após o fim do livro, e seu envolvimento em um mistério. Parece bom (e um dos atores é o Kevin, então não há muito o que questionar :), eu assisti ao primeiro episódio, mas ainda estou meio receosa, ainda que ele tenha me sido indicado pela sempre genial Samara, sumidade absoluta em séries e filmes e livros <3



PPS: Matthew MacFadyen como Mr. Darcy é demais de bom. "I love you, most ardently" é uma fala que permanece comigo. À época do lançamento do livro, eu o perseguia um pouco, na verdade, e acabei por encontrar boas produções com ele (mesmo que nada como Darcy, claro). Duas delas são: Morte no Funeral (Death at a Funeral, 2007), um dos filmes mais engraçados que já vi (de passar mal de rir, com um humor bastante inteligente), e  Um Refúgio no Passado (In My Father's Den, 2004), uma história arrasadora.

PPPS: Algumas cenas da ficção levam a acontecimentos na chamada vida real. Em ambas as turmas em que fui professora, eu apresentei esse filme. E agora, todas as vezes em que vejo a cena do Darcy "most ardently" é inevitável me lembrar do suspiro sonhador de uma estudante em sala de aula :) 

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