1 de out. de 2015

Dia 145: O Sétimo Continente (1º de agosto)

No último post, eu (juntamente com Rodrigo) enfatizei como uma história pode ser prejudicada por um excesso de explicações. Algumas vezes, porém, o que vemos é uma total falta de explicativas porque não há como explicar algumas coisas. Talvez seja por isso que, no caso do filme de hoje, nós não sejamos capazes de ver claramente os personagens no início - eles, assim como sua vida e razões, não são completamente visíveis para nós. 

na vida cotidiana, cada pequeno detalhe faz parte da nossa percepção das coisas, mesmo que passemos por elas diariamente sem percebê-las. A chave que liga o carro. O cereal absorvendo o leite. Uma pessoa sem rosto que espera pela consulta médica ao nosso lado. E assim as coisas passam, a vida passa, nós seguimos pelos dias, horas, minutos. Até que seguir perde totalmente o sentido. Há milhões de maneiras de parar de se importar com as coisas ou até mesmo de não suportá-las mais. Mikael Haneke, em O Sétimo Continente (Der Siebent Kontinent), seu longa metragem de estreia na direção, nos mostra uma dessas formas de maneira magistral e quase cirúrgica, baseado em fatos reais de uma família na Alemanha. Mas apesar de sua visão de certa maneira asséptica, esse filme é um soco emocionalmente forte no estômago - e minhas reações a ele foram físicas mesmo. 

O que se passa com a família aqui eu já vi acontecer com pessoas ao meu redor (desculpe se não posso ser mais explícita, mas, acredite, estou me referindo a algo verdadeiramente triste e nocivo). É horrível. E tentamos encontrar uma explicação, um motivo para tal escolha, mas não  há nenhum. Toda justificativa é inútil, e Haneke é um mestre em nos falar a respeito. Julgamentos não servem para nada aqui também, é importante ressaltar. 

Depois da última cena, eu desliguei ia TV e olhei ao meu redor. Nada parecia fazer sentido por vários minutos. Aos poucos, fui retornando à vida, mas ainda em um estado suspenso, que me permitia perceber cada detalhe no meu entorno. A carne que eu estava fatiando para o jantar (o qual, eu acredito, não serei capaz de ingerir). Meus dedos martelando as teclas do computador. Sons distintos para além da minha janela. Uma dor persistente na cabeça depois de uma viagem tão difícil. Creio que levarei ainda um tempo para voltar a um estado menos perturbador diante da vida. 

Esta semana com os filmes não foi fácil. Primeiro foi a terrível tragédia de Oldboy... Depois, a falta de sentido e estupidez de Segunda Chance, e, agora, uma vida que podemos considerar comumente boa, mas que não tudo menos satisfatória. Mas, mesmo com as porradas sucessivas, é por um profundo sentido da vida que eu escolho passar boa parte do meu tempo com o cinema e seus filmes geniais, não é? E mais estar por vir, tenho certeza (e assim espero!).

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com.br/2015/08/day-145-seventh-continent-august-1st.html




O Sétimo Continente (Der Sibient Kontinent). Dirigido por Michael Haneke.
Com: Birgit Doll, Dieter Berner, Leni Tanzer. Roteiro: Michael Haneke,
Johanna Teicht. Austria, 1989, 104 min., Mono, Color (DVD).

Dia 144: Segunda Chance (31 de julho)

Eu simplesmente adoro Depois do Casamento (After the Wedding e Em um mundo melhor (In a Better World), filmes dirigidos por Susanne Bier. Assim, eu tento acompanhar sua carreira por conta o que considero duas obras primas, mas não tem sido fácil. 

Segunda Chance (En Chance Til) foi um filme bastante confusão para mim. Sua temática e atuações são bastante relevantes, mas um problema se apresentou pelo argumento central da história: alguém seria de fato capaz de agir daquela forma, em um momento de desespero? Rodrigo e eu questionamos essa premissa básica desde o início, criticando os personagens e os rumos que a história tomou ao longo do filme. Para dizer o mínimo, nós ficamos bastante bravos, na verdade. Eu entendo como um autor pode perder a mão ao escrever uma história, assumindo um tom professoral e perdendo parte da intuição ao longo de uma brilhante carreira. Trata-se, no entanto, de algo muito triste de se presenciar. 

Ainda assim, ao longo dessa co-produção de 2014 da Dinamarca e Suécia, nós conseguimos deixar um pouco de lado esse questionamento central a fim de nos focarmos no que estava sendo de fato debatido ali, e muito é discutido nesse filme. A cola que unia todas as questões apresentadas é o quão humanas todas elas são. Dessa forma, decidimos largar de mão o argumento sem sentido para nos concentrarmos no que estava sendo dito por detrás daquela situação absurda. 

Eu me lembrei do livro de Lionel Shriver, Precisamos Falar sobre Kevin, para mim uma leitura obrigatória (O filme não conseguiu alcançar a profunda e complexa dimensão do livro, eu acho). A busca  por uma vida perfeita, uma família perfeita: a luta insana por alcançar esse ideal ilusório pode superar necessidades mais fundamentais e prementes, como a percepção do que realmente acontece dentro de nós ou no ambiente familiar. Essa busca pode nos cegar completamente. Não olhar para a situação com olhos bem abertos pode acarretar eventos trágicos, como vemos na história apresentada por Shriver e no filme de Bier. Fazer de conta que tudo está bem, especialmente quando que está visível aos olhos parece maravilhoso, tem seu lado criminoso, com consequências terríveis.  

Uma das lições aqui é: olhar para a situação real que vivemos pode ser doloroso, mas fingir que está tudo bem pode ser ainda mais prejudicial, trágico até.  

Outro aspecto: agir em desespero é também garantia de tragédia. Não podemos resolver as dores de outrem - podemos ajudar, mas não resolvê-las por aqueles que amamos. Tentar resolver a situação de outrem é humano, claro, mas pode ser uma estupidez também. Nesse filme, Andreas, interpretado por Nikolaj Coster-Waldau, é estúpido por excelência e de forma magistral (eu disse que nós estávamos com raiva...). Aos poucos, no entanto, somos capazes de entender suas razoes, mas sem nunca cessar de questioná-las. O que ele faz é extremo e horrível, com terríveis consequências para ele e os outros envolvidos, e o fato de que ele age daquela forma sob falsos pretextos (mesmo sem o saber) é ainda pior. 

Ao ler este post, eu me sinto bastante prepotente, julgando ferozmente as ações de outrem, algo que eu tento evitar com bastante atenção - se Andreas houvesse sido um pouco menos preconceituoso, por exemplo, talvez ele houvesse agido diferentemente. Não me leve a mal, eu entendo as razões dele perfeitamente. mas, como eu disse antes, a premissa em si dessa história é absurda, facilitando os julgamentos a respeito. Essa atitude perante o filme se torna ainda mais fácil quando percebemos o que Susanne Bier defende em sua história - ao final, fica claro que ela partilha de algumas das ideias mais preconceituosas de Andreas, mesmo que ela tenha apresentado também a imensa bagunça que essa percepção pode causar. 

Nossas fortes reações ao filme são uma reflexo de como ele é relevante e enganador ao mesmo tempo. Não conseguíamos parar de falar a respeito do que víamos à nossa frente, sem acreditar no absurdo. Ao final, no entanto, eu penso que nós fomos ficamos menos furiosos, mais sensíveis à busca de Andreas. Ao menos até a terrivelmente cafona última cena, uma tentativa desastrosa de transmitir uma lição redentora. Um desperdício absoluto, quando nós finalmente estávamos conseguindo compreender essa trágica história humana.  

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com.br/2015/08/day-144-second-chance-july-31.html


Segunda Chance (En Chance Till). Dirigido por Susanne Bier. Com: Nicolaj 
Coster-Waldau, Urish Thomsem (o mesmo de Adams Aebler)Maria Bonnevie.
Dinamarc/Suécia, 2014, 102 min., Color (DVD).


PS: Fragmentos: A Seleção (Admission, 2013); Penny Dreadful, temporada 2, episódio 6, e alguns outros que eu não consigo lembrar agora... muita televisão e pouca memória :)

Dia 143: Palavrões (30 de julho)

Eu acabei assistindo a Palavrões (Bad Words) por acaso, na TV a caso, ainda de manhã, enquanto zapeava pelos canais da TV à procura de um filme para me acompanhar no café da manhã, como costumo fazer todos os dias. O que me chamou mais a atenção aqui foram as primeiras falas no filme, que peguei no início, e o quanto sombrias elas eram, reforçadas pela trilha sonora clássica: 

"Não sou bom em um monte de coisas, especialmente em refletir sobre as questões. Por isso esse meu plano foi tão porcaria. mas eu estava magoado, e estou feliz de ao menos ter feito algo a respeito. Tomar decisões erradas não é algo novo para mim. Afinal, eu vivo sozinho aos 40 anos de idade, e vivo de revisar garantias de produtos. Há algumas semanas, eu decidi pedir uma pausa no trabalho para poder fazer isso tudo aqui. E é bastante irônico que tudo o que fiz foi exatamente o que uma criança faria. Eu fiz birra exatamente para chamar a atenção".
"I'm not good at a lot of stuff. Especially thinking things through. And that's why this plan was so shitty. But my feelings were hurt, and I'm glad I at least did something about it. Making bad decisions is nothing new to me. After all, I live alone at 40, and I make my leaving proofreading products warranties. A few weeks ago, I took a  break from that however, so I could do this whole thing. And it's pretty ironic that what I did  was exactly what a child would do. I threw a tantrum just to get attention."

E isto é o que Guy Trilby é de fato: uma criança no corpo de um cara de quarenta anos. Esse tipo de criança não é raro, se pensarmos bem. Muitos de nós ainda carregamos nossas questões da infância conosco diariamente, sem nem percebermos. Decisões e escolhas são feitas por essa criança magoada, e não somos conscientes disso. Um dia, Guy resolve remediar essa situação. E como ele mesmo disse acima, sua escolha de como fazê-lo pode não ter sido a melhor, mas foi efetiva. 

É por isso que uma comédia que teve alguns momentos bastante bobos, sem noção mesmo, conseguiu me pegar de jeito  Apesar de algumas cenas muito estúpidas, seu tom sóbrio é uma constante, os personagens se tornam cada vez menos estereotipados a cada minuto, e assim eu não consegui me afastar desse filme, a estreia na direção de Jason Bateman em longa metragens. Eu li alguns comentários afirmando como esse filme é preconceituoso e misógino. Eu penso que o protagonista é assim, não o filme, que vai justamente na direção oposta do que o personagem apresenta de início. Claro, ele assim o faz com o uso de uma quantidade grande de clichês, mas essa escolha não comprometeu a busca dos personagens e a sua relevância - elementos que me levaram a me importar com o protagonista e com o que iria acontecer adiante. Não se trata de uma má característica em uma história, no final das contas. 

http://onemovieadaywithamelie.blogspot.com.br/2015/08/day-143-bad-words-july-30.html


Palavrões (Bad Words)Dirigido por Jason Bateman. Com: Jason Bateman, 
Kathryn Hahn, Rohan Chand. Writer: Andrew Dodge. EUA, 2013, 89 min., 
Dolby Digital, Color (Net).


PS: Fragmentos: Penny Dreadful temporada 2, episódios 3 e 4 - Eu tenho a firme convicção de que Eva Green deve receber um salário maior que o resto do elenco... o trabalho dela não é fácil, e ela o faz de forma bela e contundente.